Trajetória.

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Água porque se pode boiar quando não quiser mais e parece dança da gravidade. Eu tenho que te contar que.
Eu tenho uma boneca na beira do riacho. Lá é bom pra encostar. Na mão, no olhão. Ela é pequena, ri esquisito e não sabe que eu mesmo riacho. Eu tenho muito medo de contar não falo não adianta, prefiro dançar.
Toda criança tem o maior amor do mundo, mas alguém não deixa. Abraço ela tão forte, tão forte que vazo pelos dedos. Descanso a boneca e brinco de ser o pai que toda criança deve ter. Ela sai quebrando os pedaços e espaços, me pai não pode vê-la, eu me escondo e ela me procura, acho que chora não vejo só escuto.
OK.OK.OK
Meu pai está me chamando: corrida de patins de gelo; poça d´agua; uma porção de lágrimas, tenho que chegar logo (não quero assim, melhor mesmo é brincar de ser estranho).
As vezes a saudade da boneca é tanta que eu pinto seu amor em mim. Monte de maquiagem num rosto quadrado e corações de espuma branca. Maquiar-se exigia tanta deliberação quanto desarmar uma bomba.
Então Cresço!
O espelho falou: Não bonito, nem tão masculino, algo totalmente diverso e ainda gostava de dançar. Fugi de casa com uma peça de roupa vazia e me tornei orgulhoso.
Procura-se um lugar pra morar na rua Foucault número Picon-Vallin. De onde eu moro da pra ver as janelas vizinhas, são todas iguais. Vontade de monte de palavras em cada um e uma necessidade pulsante de aquário vazio.
Parece memória e não é, depois de crescido ainda brinco de boneca , eu que me revolto ela que xinga, assim nos desmembramos em nascer, crescer e.
Dia dois/ mês infinito/ ano para sempre. Feliz aniversário boneca. Eu gosto tanto dela que não largo, que beijo, cutuco, espremo até cansar e dança que dança embutida e eu particular.
Hora de revisitar as ordens para se tornar adulto. É pai, é gente, é Deus. Estão todos doentes.
Suar e encontrar um par. Bonecas deixam meninos mais tímidos, não me entrego, espero cheio. Redoma que filtra uma cena de amor deplorável e escorre, como gozo, como água.
Eu tenho que te contar que eu estou.
Água faz som por que saliva é acida e a casa cega, qualquer barulho para dançar, não se envolver e se incomodar, dançar é um egoísmo e tanto.
Água não se solidifica sozinha, tiraram-me a boneca e eu preciso aprender a me portar, modos ora. Tanto deslize que mesmo crescido aprendo a re-andar. E ela? Firme? Me segura forte senão eu caio riscado.
Ela não entende que bolo se faz com leite e não água. Ou nata, nata, nata, nata.
“Olha o passarinho”. Morreu.
Água fervente é termômetro dos afetos. Quanto tempo demora para toda ela secar? Esquenta- bolinhas, bolonas, bolotas grandes, bolotas grandes que comem bolinhas pequenas, bolinhas-bolotas que giram e fazem parecer um mar revolto dentro da panela. Depois que estoura só se ouvem os barulhos da água encanada. Ou não.
Gorda.
Digam: AI-DS; BU-CE-TA.
Quando eu canto Que se cuide Quem não for meu irmão
Ab G C F
O meu canto Punhalada Não conhece o perdão
C G C
Quando eu rio Quando rio
F E7
Rio seco Como é seco o sertão
F F#º C F C G
Meu sorriso É uma fenda Escavada no chão Quando eu choro

C F Eb
Quando choro É uma enchente Surpreendendo o verão
Ab G C F
É o inverno De repente Inundando o sertão

Eu e a boneca temos um alerta, dançamos a dança dos nossos pais e todas as suas crises. Espetam-se e não enxergam. Crise-micro-crise.
Despir-se para diluir o espaço. Arranca a pele e me fundo nela e me afundo na crise. Brincamos de casinha. Ela fala e eu rompo. Nadamos pelos corpos feios, gordos, ensebados, rudes que se amontoam na sala numa enchente para lavar a alma.
Eu tenho que te contar que estou grávido e é de boneca.

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