descobri um conjugado dentro de mim.

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Eu queria muito que você deixasse. Deixasse claro para mim o que está acontecendo com a gente. Ou apenas comigo. Não sei.

Você só não deixou a porta aberta porque na nossa história ainda não teve espaço para porta. A porta ainda não entrou em cena. Entrei eu, você, baldes e até sanduicheira já entrou. Mas porta ainda não. Talvez porque porta traga a idéia de particular e coletivo, de público e privado, de intimidade e exposição. E, entre nós, ainda não existe esta separação entre euvocê e euvocê + mundo. Estamos sempre na segunda opção.

A separação que existe aqui é o descolamento do que se sente daquilo que se expressa, seja no corpo ou na fala. E são as paredes (muitas !) as responsáveis por isso. Elas são invisíveis, porém se impõe no espaço e se fazem perceber. Têm personalidade forte, falam muito e gritam, como o pai. Criam bloqueios e obstáculos quase intransponíveis que só podem ser superados se um de nós dois tiver a habilidade de um ginasta (habilidade esta que eu não tenho). Eu não sei quem construiu estas paredes. Talvez elas já estivessem aqui desde o primeiro dia. Mas é que a gente só percebe uma parede invisível quando a gente dá de cara nela. Quando dói.

Falando em dor, confesso que isto não existe aqui. Existe um incômodo pela falta de compreensão de tudo e pela falta de garantia do que vai ser da gente mas não exatamente dor. Você é encantador e esta é a única dor que existe aqui dentro de mim. E confesso que esta é a melhor de todas as dores.

Então é isso. Acho que a gente fica por aqui. Se é que a gente fica. Ainda estou me habituando com tudo isso. Sou morador novo e estou pisando em ovos. Ou em farpas. Não sei. Dá para perceber aqui a dificuldade de ter certezas. Entretanto, no meio de tantas incertezas me parece que a única garantia que posso dar é: aqui não tem portas, aqui tem paredes invisíveis e a dor do encantador é a melhor das dores. Só. Sou incapaz de saber até mesmo se moramos juntos ou se moro sozinho. Talvez a foto 3x4 que eu tenha pregado na parede invisível seja um indício de que só eu more aqui. É só raciocinar: quem pode ter o corpo todo, não vai se satisfazer com uma foto 3x4. Então eu moro só e não sei se te dou o meu endereço num papel amassado para, quem sabe um dia, você toque a campainha, faça uma visita despretensiosa e, quem sabe de novo, fique para sempre (se bem que eu acho para sempre muita coisa). Você traz as frutas, eu te ensino a preparar um sanduíche e a gente vê como é que fica. Se fica. Enquanto você não entra por aquela porta (que ainda não existe mas um dia vai existir pois quero que minha casa seja igual a do meu vizinho), eu continuo olhando aquela sua foto 3x4 na parede invisível (mas que um dia vai ser visível e palpável).

Vai ser uma parede de cimento, areia e água construída a 4 mãos. Tijolo por tijolo. Quando a gente já tiver construído as paredes, aí a gente começa a pensar nos detalhes. A gente pode deixar para escolher a cor por último. O importante é a base, a estrutura. O tijolo é mais importante que o quadro pendurado. O tijolo é mais importante que o FengShui. O segredo está no tijolo nosso de cada dia. Esta parede é que vai sustentar a nossa casinha e vai sustentar a gente. Podemos nos apoiar nela. Ela que vai servir de abrigo para possíveis outros nossos. A nossa parede vai ser linda. Mesmo que um dia fique descascada, com ranhuras e marcas do tempo, ainda sim ela vai ser linda. Ela vai ser nossa. Nosso resultado. Ela vai ser do jeito que a gente quiser. Azul e dura.

4 comentários:

Gunnar Borges disse...

Esta casa é da mãe Joana, mesmo. Tudo vira apartamento, albergue, casarão até coração de mãe. Novos inquilinos se sentam na mesa do café. Pelo novo não creio que se faça sozinho, apoiei em mim. Desligue em mim, pague por mim. Eu que acumulo contas e aluguéis pagos continuo a levantar tijolos e me sentir perdido. E gosto.

Pedro disse...

Há portas que não se abrem, que estão emperradas no interior do indivíduo, impedindo a comunicação entre as esferas EU e VOCÊ... Não consigo dizer em palavras o que está nitidamente escrito no meu rosto!! E isso reforça ainda mais a parede expessamente invisível que se instala no espaço do conjugado... com a foto 3x4 pregada na parede coroando a dor da ausência!!!!

.parambolicalalande. disse...

Eu procuro um amor
Que ainda não encontrei
Diferente de todos que amei
Nos seus olhos quero descobrir
Uma razão para viver
E as feridas dessa vida
Eu quero esquecer
Pode ser que eu a encontre
Numa fila de cinema
Numa esquina
Ou numa mesa de bar
Procuro um amor
Que seja bom prá mim
Vou procurar
Eu vou até o fim
E eu vou tratá-la bem
Prá que ela não tenha medo
Quando começar a conhecer
Os meus segredos
Eu procuro um amor
Uma razão para viver
E as feridas dessa vida
Eu quero esquecer
Pode ser que eu gagueje
Sem saber o que falar
Mas eu disfarço
E não saio sem ela de lá...

Isadora Malta disse...

e eu fui dormir ontem falando sobre portas...

 

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