FELIZ ANO NOVO!

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natalzinho

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ia ter uma árvore bem pequenina e não sei se seria um pinheiro. ia ter amigo-oculto e o presente seria uma composição personalizada.

ia ter violão. cajón.

ia ter todas as meninas de trança embutida, uma boneca de presente no meio da casa.
ia ter um monte de choro que ri.

Feliz papai noel.

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E como seria o Natal nesta casa construída.
Feliz para todos.

saudades de nossa sala de ensaio.

E-mail da Padu:

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no meio de um trabalho acadêmico, me lembrei de vocês:

“O espectador (ou melhor, o participante) recebe certas premissas estabelecidas. Graças a elas constrói em sua imaginação o lugar da ação, o seu andamento, as suas associações, constrói a sua própria co-participação etc. Por meio do infantilismo consciente, perfura-se a imaginação e desperta-se o sentido da convencionalidade (como algo de puro, em si – como o senso de humor). Brincamos, isso significa que buscamos a heterogeneidade, o que é inesperado, do avesso, que é o ‘diabo a quatro’. A forma pulsa, refrata-se, tem lugar uma ruptura das convenções correntes, nascem aproximações e semelhanças inesperadas”. - Grotowski, o teatro laboratório.

se pudesse definir vocês, cacos, definiria como brincantes.vocês são sinceros, isso é lindo.

=*

Paula Durso

14 atores, atuando

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http://www.nytimes.com/interactive/2010/12/12/magazine/14actors.html#index


ótimos vídeos.
fragmentos possíveis.

=*

pode ser que eles não compreendam.

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O nosso okidoki!!

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Hoje é tudo verdade.

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Quebrou o meu cabelo comprido
e sobra foliculite
Quebrou esta boca que não se define
e sobra o bater dos dentes
Quebrou e quebraria tudo de novo,
se preciso fosse
para viver mais uma vez com vocês.

Obrigado pela paciência e dedicação de todos

Tenho certeza de que hoje faremos uma linda estreia.

Muito obrigado.

Trajetória.

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Água porque se pode boiar quando não quiser mais e parece dança da gravidade. Eu tenho que te contar que.
Eu tenho uma boneca na beira do riacho. Lá é bom pra encostar. Na mão, no olhão. Ela é pequena, ri esquisito e não sabe que eu mesmo riacho. Eu tenho muito medo de contar não falo não adianta, prefiro dançar.
Toda criança tem o maior amor do mundo, mas alguém não deixa. Abraço ela tão forte, tão forte que vazo pelos dedos. Descanso a boneca e brinco de ser o pai que toda criança deve ter. Ela sai quebrando os pedaços e espaços, me pai não pode vê-la, eu me escondo e ela me procura, acho que chora não vejo só escuto.
OK.OK.OK
Meu pai está me chamando: corrida de patins de gelo; poça d´agua; uma porção de lágrimas, tenho que chegar logo (não quero assim, melhor mesmo é brincar de ser estranho).
As vezes a saudade da boneca é tanta que eu pinto seu amor em mim. Monte de maquiagem num rosto quadrado e corações de espuma branca. Maquiar-se exigia tanta deliberação quanto desarmar uma bomba.
Então Cresço!
O espelho falou: Não bonito, nem tão masculino, algo totalmente diverso e ainda gostava de dançar. Fugi de casa com uma peça de roupa vazia e me tornei orgulhoso.
Procura-se um lugar pra morar na rua Foucault número Picon-Vallin. De onde eu moro da pra ver as janelas vizinhas, são todas iguais. Vontade de monte de palavras em cada um e uma necessidade pulsante de aquário vazio.
Parece memória e não é, depois de crescido ainda brinco de boneca , eu que me revolto ela que xinga, assim nos desmembramos em nascer, crescer e.
Dia dois/ mês infinito/ ano para sempre. Feliz aniversário boneca. Eu gosto tanto dela que não largo, que beijo, cutuco, espremo até cansar e dança que dança embutida e eu particular.
Hora de revisitar as ordens para se tornar adulto. É pai, é gente, é Deus. Estão todos doentes.
Suar e encontrar um par. Bonecas deixam meninos mais tímidos, não me entrego, espero cheio. Redoma que filtra uma cena de amor deplorável e escorre, como gozo, como água.
Eu tenho que te contar que eu estou.
Água faz som por que saliva é acida e a casa cega, qualquer barulho para dançar, não se envolver e se incomodar, dançar é um egoísmo e tanto.
Água não se solidifica sozinha, tiraram-me a boneca e eu preciso aprender a me portar, modos ora. Tanto deslize que mesmo crescido aprendo a re-andar. E ela? Firme? Me segura forte senão eu caio riscado.
Ela não entende que bolo se faz com leite e não água. Ou nata, nata, nata, nata.
“Olha o passarinho”. Morreu.
Água fervente é termômetro dos afetos. Quanto tempo demora para toda ela secar? Esquenta- bolinhas, bolonas, bolotas grandes, bolotas grandes que comem bolinhas pequenas, bolinhas-bolotas que giram e fazem parecer um mar revolto dentro da panela. Depois que estoura só se ouvem os barulhos da água encanada. Ou não.
Gorda.
Digam: AI-DS; BU-CE-TA.
Quando eu canto Que se cuide Quem não for meu irmão
Ab G C F
O meu canto Punhalada Não conhece o perdão
C G C
Quando eu rio Quando rio
F E7
Rio seco Como é seco o sertão
F F#º C F C G
Meu sorriso É uma fenda Escavada no chão Quando eu choro

C F Eb
Quando choro É uma enchente Surpreendendo o verão
Ab G C F
É o inverno De repente Inundando o sertão

Eu e a boneca temos um alerta, dançamos a dança dos nossos pais e todas as suas crises. Espetam-se e não enxergam. Crise-micro-crise.
Despir-se para diluir o espaço. Arranca a pele e me fundo nela e me afundo na crise. Brincamos de casinha. Ela fala e eu rompo. Nadamos pelos corpos feios, gordos, ensebados, rudes que se amontoam na sala numa enchente para lavar a alma.
Eu tenho que te contar que estou grávido e é de boneca.

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Começo sozinha em casa. Sozinha na nossa casa. Por enquanto, sem a coxia, vocês são minha coleção de porta-gelo e seus pegadores em madrepérola e prata. Mas estou só, e é essa a sensação, e é por isso que tenciono os ombros, com a promessa de relaxá-los até a semana que vem.

Entram Gunnar e Doris e eu continuo só. Entram Fred e Lila, só. Com Taianã, Bê e Aline minha coleção de porta-gelo e seus pegadores em madrepérola e prata já está toda comigo no palco. Eu continuo sozinha, mas brinco no balanço com a projeção e com com vocês.
Lila me abraça mas me abandona, deixa sobrar meu abraço, me abraça, me abandona, deixa sobrar meu abraço, me abraça, sai de mim com força, me larga no chão. Eu durmo e ela me acorda machucando meu dedinho do pé com um boi da cara preta que é uma mentira, que cantam com melodia fofinha mas é uma mentira, uma ameaça, não tenha medo de careta senão o boi da cara preta te pega, te pega, te pega, pega boi, pega boi, pega!
Descrevo minha mais dura memória de infância conjugando os verbos no presente, ainda sozinha, mas acompanhada de uma fantasia que não temo mais. Carrego uma trança embutida como quem carrega um espartilho apertado e me escondo atrás da coxia.
Lanço longa trajetória pelo espaço mas sou interrompida por paredes invisíveis. Jogamos com elas em grade, lembrança aberta do processo aberto.
Ladainhas e xiliques não, por favor, vou enfiar minha cabeça aqui nesse balde cor de coral, ouvir tudo embaçado, até sentar-me na mesa e encarar com os pés a pessoa na minha frente.
Hoje a Isadora faz aniversário, derramamos nela todos os cantos de parabéns, congelo numa careta desconfortável aos músculos faciais e é assim que vou, com uma energia propriamente minha, ensinar aos de trás e aos da frente com se faz uma trança embutida.
Blá blá blá sobre a mulher contemporânea numa perspectiva clássica, assisto parada em pose de miss.
As frases que falamos sobre ela são sonhos que plantamos no meu pé de feijão.
Bailinho e amorzinho sabor de morango em inglês, essa casa linda sabor de morango em inglês, a pornografia da procriação e uma boa faxina para sentar-me de novo à mesa, encarando a pessoa na minha frente com tiques de coração no liquidificador.
Todos estão passeando mas o Rafa não quer. Atravesso o palco num surto de felicidade. Quico de alegria. Atravesso de novo na direção contrária e juntos dançamos o bolo de fubá. O momento certo para tirarmos uma foto. Dou as mãos ao príncipe azul, encosto minha cabecinha no ombro do Fred e volto a me esconder atrás da coxia.
Quebra a família inteira, portas batendo e infiltração. Vou enfiar minha cabeça aqui nesse balde cor de coral. De novo. O pior momento para tirarmos uma foto. Príncipe azul me chama de gorda e me abraça cinicamente.
Varanda. Cantamos o coelho que caiu na hora mais importante. Quero dançar mas o palco está cheio de farpas. Pego meus objetos cor de coral e coxia.
Quando volto está tudo inundado. Anuncio o fim e vou embora com a luz.

Cacronograma desta segunda-feira:

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- montagem de luz;
- montagem da estrutura das projeções;
- passadão técnico;
- passadão geralnumbraçosó.
- casinha.

O mapa da mina:

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Trajetória e desenho de CACO

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Energia da criança. É um pátio, um quintal, um ambiente externo. Estamos todos brincando de cabra-cega. No momento em que tiram o capuz do meu rosto, a brincadeira fica séria. Só tenho olhos para ele, que está na minha frente. Ele ri e eu tremo. Começa o jogo sério do “ia ter” e o jogo sério da declaração. Para mim, este material é uma evidente declaração de amor. Começo CACO com uma declaração de amor sincera e termino CACO com a tentativa sincera de uma declaração de amor.
Neste material, tem: olhar fixo, mão direita que não pára, dedo que encontra short, tensão, dificuldade, coração acelerado, falta de ar, palavras que saem com dificuldade, palavras que saem involuntariamente, suspensão.
Este material ocorreu na infância, talvez a primeira (e última) manifestação da homossexualidade na vida do personagem. De fato, me parece que esta experiência foi forte o suficiente para ele querer construir uma CASA, uma família, um lar como todos os outros amplamente divulgados como modelos: com pai na cabeceira da mesa, mãe fritando os ovos e filhos comendo sucrilhos.

- ‘Vamos ficar na amizade ? Não te quero ou não te posso mas te gosto.’
- ‘Ficar perto e não querer é impossível. Melhor ficar longe’
- outra tentativa de, ainda sim, ficar perto\junto
- confirmação da distância
- o que eu gostaria que tivesse acontecido mas não aconteceu ? Se eu tivesse tido espaço, teria corrido pros seus braços e ?

Energia do adulto. São 2 corpos que se encontram, se grudam e dificilmente se desgrudam. É parto ? É sexo ? É encontro. Dali, nasce meu bebê\meu bebezinho. Relação pai e filho que começa a ser vivenciada. É o amor, o carinho, o afeto, a beleza de todas as noites. O sono tranqüilo do meu anjinho. Durante o texto da Bel, vejo a transformação do meu bebê em um jovem adolescente. Incapacidade de lidar com aquilo que o meu bebezinho é agora. O crescimento dos filhos desespera os pais. O carinho vai ficando cada vez menos intenso e a mão vai se desgrudando do cafuné no filho. Meu corpo muda. Passaram-se alguns anos em poucos segundos. Estamos frente a frente: eu e Bê. Esta imagem antecipa o passado que volta à tona. Tenho um duplo que é parte de mim mas que nunca foi meu (mas que fala tudo que eu falo). Meu filho agora quer uma boneca e eu, alguns muitos anos antes, quis um amigo da escola. Me vejo no meu filho e isso me desespera. Se não soube lidar com isso na minha vida, como lidar com isso na vida do meu filho ?

- Vamos fingir que nada aconteceu ? Eu finjo que nunca amei um Homem e você finge que gosta de futebol, OK ?

Conversar com o filho é voltar ao passado. Tentativa sincera de mostrar que está tudo OK. A conversa começa branda mas o tom vai subindo, chegando ao descontrole emocional. O pai disse aquilo tudo para o filho ou para si mesmo ? O filho representa a volta de um passado e o desvelar de uma poeira que estava por baixo do tapete mas que sempre fez a CASA toda espirrar. Enquanto me arrumo pro trabalho, vejo meu filho no banheiro. Ora se maquiando ora se barbeando. Simultaneidade dos opostos. Espelho. Jonathan tem 2 pais ou nunca teve nenhum ? Reflexo. E eu, como fico ? Vou viajar.

Peso. Entro segurando todos aqueles teóricos e eles pesam demais. Não importa se é homem ou mulher, seguro todos com meus braços magros e povôo o espaço com aqueles nomes que são presença físicas. Boto cada um no seu devido lugar. E qual é o devido lugar de cada um deles na minha vida ? Peso do saber, peso do conhecimento, olha o tanto que a gente precisa saber para ser ator\artista, quantas paredes, quantas páginas, quantas referências, qual a relação entre teoria e prática ?, me cansa falar todos eles e ter que lê-los para ser alguém, fazer a prova, tirar 10 e passar de período. E se eu não quiser ler o que todos escreveram mas sim apenas produzir a partir do hoje, será que posso ? Agora, posso.. estou no domínio do jogo. Eu sou o dono da situação. Eu sou Deus e faço todos pararem quando eu quiser. Basta eu dizer a palavra-chave. E eu digo. E repito. E eles são quase marionetes. O actor e sur marionette, escreveu um deles. E eu posso tudo. Eu sou Deus. Ou Picon-Vallin. Ou Bernard Dort. Ou Pavi. Parede !

Preciso contar para minha mãe que sou gay. Os pés falam e o olhar também. Meus pés batem num ritmo cadenciado que não se compara ao ritmo do meu coração neste momento. Angústia, medo, não sei por onde começar, não quero te fazer sofrer, é difícil pra caralho, não foi uma escolha.

Quem canta seus males espanta. Família toda reunida, parentes, celebração. “O importante é que você tá vivo, é bonito, tem talento, é bonzinho, tem uma vida inteira pela frente, é jovem, tem saúde.. pare de pensar em bobagens e vamos pedir pro Senhor derramar sobre você o amor Dele.”

Como se faz uma trança embutida ? Quem tem cabelo liso assim como o meu também consegue, Bel ? E a minha franja, como fica ?

Estamos todos ouvindo a palestrante até que um dos ouvintes se manifesta e endossa o discurso sobre a “nova família”. É o marido sabe-tudo\ personal hapiness at home for wives. Os 10 passos para a felicidade na CASA. Acredita no que diz, fala os maiores absurdos sem intencioná-los.

O personal hapiness at home for wives já encontrou a sua wife. Há alguns muitos anos atrás. Num bailinho. Na verdade, ele foi escolhido por falta de opção. Comercial de margarina, momento grude e mela-cueca.

Enquanto o personal hapiness at home for wives faz o papai-mamãe com a sua wife, o vizinho da frente tem uma performance sexual surpreendente. Admiração, desconforto, incômodo, inveja, despeito.

- Olha, o senhor vizinho da frente que me desculpe mas eu acho o acasalamento das borboletas muito mais bonito que esta cena grotesca que acabei de ver. Olha que lindo, as 3 fêmeas e o macho dançando o amor ! Como se dança ?

Ainda de frente com a minha mãe. Ainda não consegui falar mas a tensão está maior. Será que preciso mesmo dizer que sou gay ? Você já sabe, para que ter que falar ? Meu corpo todo reverbera a angústia, a ansiedade. Está na ponta da língua, na iminência de se dizer. Quando vou falar, “chega, vamos passear !”

O passeio aqui em CASA são os compromissos da convivência doméstica. Estou estendendo as roupas da mesma mulher que vai me pedir uma declaração de amor mais adiante e sou o mesmo pai da CASA cujo filho brinca de boneca. Dia-a-dia de uma vida de casado, a monotonia de um casamento fracassado. Estender calcinhas da sua mulher pode ser considerada uma declaração de amor ?

A importância do feminino na minha vida inventada. A mulher na minha vida. Olha que lindo como elas batem o bolo, tiram a sujeira da coxa, tiram o batom da boca, se olham no espelho e correm para pegar o táxi. Será que eu gosto tanto de mulher que gostaria de ser uma ?

Foto da minha família construída: Primeiro momento, eu e minha mulher, ao fundo. Segundo momento, eu levando a minha filha ao altar. “ (...) Porque você é a mãe dos meus filhos (...)”.

Agora se entra no estado da perda. A minha relação com o balde já comunica (está por um fio ? É a última coisa que falta quebrar ?). Falo da minha vida, do que quebrou e não volta mais. São as perdas que me constituem. Sou feito de perdas. As perdas da minha trajetória que me levam até o presente momento da peça e da vida. Para mim, este material e a terceira mesa são os momentos que mais vejo a anulação de um possível personagem. Óbvio que tem um estado diferente que não é o mesmo da vida cotidiana mas quero realmente olhar nos olhos da minha mãe e falar da minha sexualidade como também falar sobre tudo aquilo que quebrou na minha vida e não volta mais. Como se fica depois do vômito de palavras ? Como se fica depois que se fala de traumas e perdas ?

Outra foto. Mas esta não está no álbum da família. Eu entre Bê e Tei. Seria esta foto a imagem da minha trajetória na peça ? Eu entre o amor amigo e escondido da infância e eu entre a mulher que me deu filhos, família, CASA. É a minha divisão interna exposta. Bê me toca e eu toco a Tei. O passado me toca e eu, a contra-gosto, toco o presente. É a foto da vida inventada. É a foto de dentro. É uma radiografia.

Lugar do desconforto, da incomunicabilidade. Busco diálogo e não consigo. No mesmo ambiente estão Bê e Tei. É muito forte. Saio daquele lugar que não me escuta mas que eu escuto. Procuro alguém que me ouça.

Estou de frente pro espelho ? Mesmo espelho que o Jonathan usa para se barbear e se maquiar ? Só eu me escuto, sou o único interlocutor possível ? O que é o coelho ? A vida inventada ? O amor perdido ? “Estava tudo pronto.” - só dependia de mim. “Pensei em galinha, peixe, pato, gato..” - quais são as opções possíveis para eu me esconder dos Homens ? O coelho é a mulher na minha vida ? O coelho é o disfarce, a mentira, a recusa em se assumir gay ? Ou o coelho é o amor que não tive coragem de lutar ?

A mãe dos meus filhos e minha mulher pede uma declaração de amor. Mas eu não sou capaz de satisfazê-la. Só falo em números. Me prendo à quantidade e não à qualidade. A declaração é meramente enumerativa. É clara a tentativa e a impossibilidade de amar aquela mulher. Há carinho, amizade, consideração.. mas amor\tesão\paixão não há nem nunca houve. E a CASA percebe isso mesmo que se tente esconder. Minhas palavras não convencem nem têm que convencer. É uma tentativa sincera de se gostar e de dizer que se gosta.

Nos beijamos. Nosso último beijo. Talvez por ser o último, seja o primeiro beijo bem dado e de verdade. É o beijo de despedida e de desculpas. Meu personagem acaba. A trajetória dele termina. Com ele, acabou também o amor da infância, o casamento fracassado, o filho que quer boneca e a dificuldade em se assumir gay.

O que meu personagem não teve coragem de dizer a vida toda, eu consigo dizer, enfim, para a minha mãe: “Eu sou gay. Seu filho é gay !”




Por CACO.

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Estamos a menos de uma semana da estréia e a sensação que tenho é boa. Muitos afazeres, agenda lotada, dia corrido. Muitos encontros, compromissos, reuniões, roteiros e mais roteiros. Listas variadas, textos, cores, formatos e pessoas. Pessoas.

Lembro-me agora do início, onde tudo parecia sonho ou algum derivado. Lembro-me das mãos frias, do olhar atento, por vezes, medroso e inquieto. Ainda ontem me debruçava nos livros, buscando articular a melhor maneira de transpor para o lugar da cena aquilo que no papel tanto me mobilizava. Hoje, temos um texto, uma dramaturgia composta por todos aqueles que fizeram e ainda vão fazer parte deste imenso e maravilhoso projeto. Afinal, aonde está a casa e quem é, ou quer ser, dono dela?

Imagens... Nos guiamos pelo incerto, pelo terror, pelo medo e pela vontade. Me guiei pelo não saber, optando por posições abertas, flexíveis. Nos guiamos pela produção diária, por cada sala de ensaio. Me guiei por aquilo que ficava, ou seja, que na repetição via, ou pelo menos buscava ver, algum sentido ou necessidade. E fomos todos guiados pelo espetáculo, por sua poética que foi se definindo lentamente. Rapidinho para não encomodar ninguém.

Um grande colorido em cena. Atores, intérpretes, personas, faíscas de personagens... Quem somos? Como é a nossa neutralidade? Decupar momentos, estímulos, movimentos, olhares e respirações. O neutro se acha dentro, no acúmulos dos estados, em suas transições e variações. Sou boneca, tia, peixe, pai, cego, mãe, irmão, professora de balé, boi, abraço, piscina, filho, filha, água, fogo, primo, prima, tapete, sexo, violão, copinho, cigarro, balde, avô, avó, gaiola, dindo e dinda. Sou aquilo que melhor conscientizo e transmito. Sou minha melhor idéia, minha dramaturgia dentro de outra maior. Sou o suporte para meu próprio foco. Para o espetáculo.

Como se dança? Acredito que ainda nos encontramos longe de responder com precisão esta pergunta. Mas arrisco dizer que estamos mais próximos dela. Mais próximos de uma verdade que começa, agora, a nos invandir por inteiro, por completo. Uma verdade que será plena em contato com o público, no momento da troca, "no momento em que gritarmos a história real de nossos fracassos". Aí sim...

Sinto-me feliz por estar com vocês, por mais uma vez acreditar na capacidade criativa de um coletivo. Sinto-me seguro, firme e passeando. Gosto de me perder nos olhos de vocês, vê-los ganhando o espaço, domando as marcas e crescendo com elas. Gosto deste texto que vai entrando na pele, entre dentes, e que desemboca nessa vontade louca de falar, explanar. Gosto do suor, da curiosidade e também um pouco da impaciência de vocês.

Escrevo pois, neste momento, é o que me parece mais oportuno. Escrevo para tentar compreender mais este ciclo que está apenas começando. É paradoxal esta coisa do início começar no fim. Bom, pelo menos, eu acho. Como acho que outras coisas também são paradoxais no processo de construção de um espetáculo. Mas este assunto podemos deixar para um café.

Em copacabana não venta, o calor está certeiro e o ventilador, mesmo no máximo, produz pouca diferença. Atrás de mim, minha cama. Todas as noites dessa semana, ao deitar, relembro nosso espetáculo. Relembro o que penso sobre ele, o que todos vocês pensam, os elogios e críticas que recebemos. Talvez, seja por isso que eu demore tanto a engatar no sono. Mas não. Acho mesmo que já consolidei este tipo de momento. Um hábito incosciente, quem sabe? Pensarei.

CACO: espero por você como quem espera por um filho, por um novo messias ou coisa parecida. Não que você vá salvar as nossas vidas. Não sou este tipo de pessoa, bem sabes. Mas é que sinto, em algum lugar, que você nos trará alegria, convíveo e uma explosão de abraços. Produzir memória está longe de querer juntar os pedaços e entregar pronto o mosaico. Produzir é pensar mais um vez e, por isso, toda memória é trabalho.

Poema para Caco - contribuição da Jana:

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LIQUIDAÇÃO

A casa foi vendida com todas as lembranças
todos os móveis todos os pesadelos
todos os pecados cometidos ou em via de cometer
a casa foi vendida com seu bater de portas
com seu vento encanado sua vista do mundo
seus imponderáveis
por vinte, vinte contos.


C. D. de Andrade, 1968

 

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