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Começo sozinha em casa. Sozinha na nossa casa. Por enquanto, sem a coxia, vocês são minha coleção de porta-gelo e seus pegadores em madrepérola e prata. Mas estou só, e é essa a sensação, e é por isso que tenciono os ombros, com a promessa de relaxá-los até a semana que vem.

Entram Gunnar e Doris e eu continuo só. Entram Fred e Lila, só. Com Taianã, Bê e Aline minha coleção de porta-gelo e seus pegadores em madrepérola e prata já está toda comigo no palco. Eu continuo sozinha, mas brinco no balanço com a projeção e com com vocês.
Lila me abraça mas me abandona, deixa sobrar meu abraço, me abraça, me abandona, deixa sobrar meu abraço, me abraça, sai de mim com força, me larga no chão. Eu durmo e ela me acorda machucando meu dedinho do pé com um boi da cara preta que é uma mentira, que cantam com melodia fofinha mas é uma mentira, uma ameaça, não tenha medo de careta senão o boi da cara preta te pega, te pega, te pega, pega boi, pega boi, pega!
Descrevo minha mais dura memória de infância conjugando os verbos no presente, ainda sozinha, mas acompanhada de uma fantasia que não temo mais. Carrego uma trança embutida como quem carrega um espartilho apertado e me escondo atrás da coxia.
Lanço longa trajetória pelo espaço mas sou interrompida por paredes invisíveis. Jogamos com elas em grade, lembrança aberta do processo aberto.
Ladainhas e xiliques não, por favor, vou enfiar minha cabeça aqui nesse balde cor de coral, ouvir tudo embaçado, até sentar-me na mesa e encarar com os pés a pessoa na minha frente.
Hoje a Isadora faz aniversário, derramamos nela todos os cantos de parabéns, congelo numa careta desconfortável aos músculos faciais e é assim que vou, com uma energia propriamente minha, ensinar aos de trás e aos da frente com se faz uma trança embutida.
Blá blá blá sobre a mulher contemporânea numa perspectiva clássica, assisto parada em pose de miss.
As frases que falamos sobre ela são sonhos que plantamos no meu pé de feijão.
Bailinho e amorzinho sabor de morango em inglês, essa casa linda sabor de morango em inglês, a pornografia da procriação e uma boa faxina para sentar-me de novo à mesa, encarando a pessoa na minha frente com tiques de coração no liquidificador.
Todos estão passeando mas o Rafa não quer. Atravesso o palco num surto de felicidade. Quico de alegria. Atravesso de novo na direção contrária e juntos dançamos o bolo de fubá. O momento certo para tirarmos uma foto. Dou as mãos ao príncipe azul, encosto minha cabecinha no ombro do Fred e volto a me esconder atrás da coxia.
Quebra a família inteira, portas batendo e infiltração. Vou enfiar minha cabeça aqui nesse balde cor de coral. De novo. O pior momento para tirarmos uma foto. Príncipe azul me chama de gorda e me abraça cinicamente.
Varanda. Cantamos o coelho que caiu na hora mais importante. Quero dançar mas o palco está cheio de farpas. Pego meus objetos cor de coral e coxia.
Quando volto está tudo inundado. Anuncio o fim e vou embora com a luz.

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