Cláudia Capello fala sobre CACO

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Caco – possível produção de memória para o espaço da casa

Brinquedos espalhados, vídeos antigos de festas de família, aquela música que me lembra o colega com quem nunca dancei... reminiscências.

O espaço do palco, transformado em espaço que a casa ocupa na memória, resgata experiências, sensações, dores e alegrias. Cacos de acontecimentos que se convertem em lembranças, muitas vezes, nostálgicas.

As vozes são jovens, os corpos, vibrantes. É uma geração reconstruindo a memória do que ainda vai viver. A montagem de Caco é uma homenagem à reminiscência do porvir. É um time de jovens, representando para todas as gerações, mas, sobretudo, dialogando de forma singular com sua própria geração.

A construção da obra de arte calcada na reminiscência é um exercício que exige precisão e sensibilidade, a um só tempo. A memória, matéria fluida e suspeita, tem de ser levada a rédea curta para não se perder de si.

Lembro-me sempre de Angústia, do Graciliano Ramos, quando penso sobre a reminiscência no texto literário. As sensações revividas, o resgate dos momentos em que matar deixa de ser uma certeza e se transforma em um fantasma que nunca irá embora. O texto, primoroso, nos engole e nos insufla toda a angústia que toma conta da vida da personagem.

Além do mais, lembrar pode ser doloroso. Construir a lembrança, então, não é tarefa qualquer. Carece de um equilíbrio quase impossível entre frieza e destempero, uma mescla improvável de paixão e razão.

Sentada na plateia de Caco, me dei conta de que estava diante de um momento muito especial para todos os que estavam lá: os atores, que juntavam os fios do tecido; o palco, que coloria o bordado; a direção, que precisara o risco do que seria construído. E saí de lá cheia de memória... Revivi a certeza de que o teatro, qual em seu nascedouro, é a representação da vida. E a vida é, no fim das contas, toda ela, reminiscência.

Cláudia Capello
Doutora em Literatura Comparada, professora da UERJ
e coordenadora pedagógica do FGV Online

 

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