Diogo Liberano fala sobre CACO

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Meses após ter assistido ao espetáculo CACO - POSSÍVEL PRODUÇÃO DE MEMÓRIA PARA O ESPAÇO DA CASA, ainda é difícil dizer do mesmo por vias muito claras e livres de alguma sensação sem nome ou certo estremecimento. Em que lugar se insere uma obra que não é facilmente acomodada dentre as classificações disponíveis por ai? Depois de pensar, de desistir do pensamento, de tentar sentir apenas o que foi sentido, resta apenas a constatação plena do movimento. É dele que tudo parte e rumo a ele que tudo se dirige.

Qual é o corpo da memória? Qual é o corpo da memória que não o meu próprio, quintal onde ela se refaz e vira história? Possível produção de memória para os espaços das casas, no plural, sim, pois são muitas dentro de uma só. Muitas semelhanças, muitos gestos, muitas idas e voltas, muitos cortes e tardes ao redor da mesa recheada de copos e eletrodomésticos.

Um espetáculo autoral que vai sem medo rumo ao centro de cada um dos artistas-criadores-dançarinos-atores-e-filhos-sobretudo. E de cada íntimo desse ali explodido, nos vemos em comunhão seja com um nome, com um gesto, com uma falta ou num sorriso. Nos vemos em suspensão com a ousadia daquilo que até então eu julgava ser segredo meu apenas. Então, realizo... A minha família é mais sua do que minha. A minha solidão é mais vasta do que eu poderia supor. Meus irmãos moram fora de casa e eu nem disso sabia.

Fragmentos, cores, varais sem fim para tanta coisa que não poderia ser esquecida. Espaço da casa que recebe e ao mesmo tempo que agoniza: quer explodir. A casa queria não ter paredes mas sim pernas capazes de dançar. O filho não queria ser filho ele queria apenas ser música. Será que alguém pode calar a boca e deixá-lo se pintar?

Eu não sei dizer de conceitos, nem listar referências quiçá catalogar o espetáculo em correntes e poéticas mil. Falo apenas do suor escorrendo o rosto próximo a mim; falo da confissão também a mim endereçada; falo do desejo da brincadeira que explode o desejo concreto no meio da sala; falo das cores do plástico dos baldes e do tremeluzir. Falo do beijo que não veio. Falo de tudo aquilo que trouxe a mim algo que hoje eu percebo que não deveria ter deixado partir.

Eu suma: da poesia, do ventilador, falo sobretudo de todas as vozes que preenchem o espaço vazio do palco com uma trama sem fim cosida a movimento. Um lindo trabalho, grave agudo leve e seguro. Direto e feito tiro preciso rumo à indefinição das coisas. Não há culpa. Há apenas escolhas. Possível produção de memória para o espaço do corpo e que se estende para além da apresentação indo embora comigo e criando cabana dentro de mim, afinal, uma casa que não corre o risco de cair não é bem uma casa.

É um prazer imenso convidar e receber este espetáculo dentro da programação de encerramento da ocupação artística Câmbio do Teatro Estadual Glaucio Gill. Sem dúvida alguma, trata-se de um espetáculo-chave para marcar com frescor e potência a produção teatral universitária carioca que, aos poucos, precisa ganhar a cidade.


Diogo Liberano
Diretor teatral do Teatro Inominável e Curador Universitário da Ocupação Artística CÂMBIO do Teatro Glaucio Gill

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