o lugar que você senta na mesa diz muito sobre você.

|














Desde a nossa chegada eu sinto uma vontade enorme de tentar dizer algo que só era capaz de sentir. E verbalizar as entrelinhas é uma tarefa muito difícil para um mero escritor de horas vagas. Talvez seja capaz de verbalizar as entrelinhas de personagens, pois este é meu ofício de ator, mas aqui quem escreve não é um personagem mas sim uma pessoa que sente, acha muita coisa, nem sempre diz o que acha e cria muitas hipóteses. Na verdade, antes de verbalizar e criar as hipóteses, eu precisava saber o que era aquilo que eu sentia. Acho que já ficou clara nos meus outros textos a dificuldade que tenho em mensurar sentimentos. Sou um amante das palavras mas elas inevitavelmente têm um caráter reducionista que desaprovo. Na tentativa de entender os 2 dias juntos e de tentar organizar este bando de ‘achismos’ que povoam minha cabeça, eu busquei alguns ouvidos amigos. Busquei alguns outros moradores. Precisava falar. Precisava ouvir. E agora, depois de fascinado e impactado pelas fotos, acho que preciso escrever.

Eu fui um dos mais entusiasmados em viajar. Quando vi que nosso desejo de morar numa casinha por alguns dias estava indo pelo ralo, eu esperneei quase como um filho único e mimado. Mas, tirando o fato de eu realmente ser filho único e mimado, eu acredito que minha postura nada mais era que certeza da importância desta experiência para o nosso bem maior, o nosso CACO. Pois bem, demos nosso jeito. Cada um se esforçou o quanto pôde: uns desmarcaram ensaios, outros passaram o dia no telefone para resolver transporte, outros uns se disponibilizaram em dar o dobro da quantia combinada, uma se ocupou com a difícil tarefa de fazer a lista de compras e bolou o cardápio que tinha que agradar a carnívoros e vegetarianos, outros poucos foram às compras na correria da véspera, umas todas foram se depilar, 3 deixaram de ler e estudar para a Ângela Materno e todos saímos num sábado de manhãzinha das nossas casas deixando para trás pessoas e relações (já conhecidas) além dos confortos (que fazem do nosso lar a nossa casa). Talvez estivéssemos indo em busca justamente de novas pessoas, novas relações, novos encontros e nos propondo a não ficarmos só no conforto do já conhecido e do fácil. Talvez aqui caiba um aparte: esta última frase poderia servir também de estímulo neste nosso processo; podíamos fazer um pacto de todo ensaio ser aquele sábado de manhã em que a gente se predispôs a deixar o confortável de lado e estar aberto ao novo e ao outro.

Eu fui muito feliz lá. Mas sinto que não estava pleno. E eu descobri que não estava pleno porque sabia que aquilo lá era processo e pesquisa. Estávamos numa sala de ensaio sim. Porém, numa sala muito mais aconchegante. Eu fui sabendo que era pesquisa e talvez tenha me apropriado demais do “ia ter alguém que observa”. Eu assumi este lugar sem querer. Não fui com este objetivo, não foi intencional e nem acho que todos deveriam ter tido a mesma atitude. Eu sinto que estava com vocês e tive momentos mágicos mas não conseguia desvincular aquelas horas como horas únicas e preciosas que poderiam me ajudar a entender e a fazer melhor nossa peça. A entender melhor cada um de vocês. Para mim aquilo foi ensaio sem calça de moletom preta e camisa branca. Foi ensaio sem pedir autorização de sala e sem pegar as chaves da 604 e, talvez por isso, eu tenha dificuldade em achar que esta viagem tenha sido carnaval. Foi ótimo. Foi divertido. Mas foi trabalho. E também foi doloroso.

Foi muito doloroso ver os movimentos da casa e os meus movimentos que me fazem ficar tão próximo de uns e tão distante de outros. É muito doloroso querer estar junto e conseguir, no máximo, estar perto. É mais doloroso ainda quando você gosta de todo mundo mas as suas escolhas por uns implicam em renúncias por outros. As afinidades gritaram. Se você optou por não pertencer a um cômodo da casa, isto já significou não estar com outros moradores que têm este mesmo cômodo como primeira opção. E aqui ‘optar’ não é um movimento consciente. Se você pega sol na piscina, você não descasca batatas na cozinha. É incrível com os cômodos revelam, afastam ou aproximam. Os lugares de cada um na casa e na vida ficaram bem mais evidentes. A função de cada um, o lugar que cada um ocupa ficou muito claro. E tudo isso é natural. Não existe esforço. Nada foi conquistado no grito. O lugar que cada um ocupa neste latifúndio está no âmbito do humano. ‘Eu, naturalmente sou assim e, naturalmente, ocupo este lugar. E você, naturalmente, cede. Ou nem tão naturalmente assim..’. Estes movimentos de circulação me impressionaram muito. Nada na casa é impune. Nenhum movimento é à toa. Com certeza o lugar que você senta na mesa diz muito sobre você e, se você olhar para a direita e para a esquerda, você talvez entenda porque você sentou ali e não no sofá debaixo do ventiladorzinho. Acho que devíamos decupar mais esta matemática de ações, este entrar e sair... a hora que você saiu da sala para tomar banho diz sobre você e sobre os outros. O olhar vazio que vem logo depois da gargalhada mais sonora, o sorriso escancarado que dá lugar ao sorrisinho tímido depois do flash, o jeito de cada um, cada um que fuma, cada um que bebe, o corpo de cada um, o copo de cada um. Tudo diz. Até a brincadeira, sei que nenhuma foi leviana. Brincando a gente se revela. Não tem aquela frase que diz que toda brincadeira tem um fundo de verdade ? Então, ouvimos e dissemos várias verdades brincando. Algumas foram surpresas e outras, já esperadas. As palavras estão no ar mas nem sempre a gente as ouve. É preciso estar atento.

Eu não queria de forma alguma que estas minhas impressões fossem tidas como verdade absoluta, pois nem para mim são. Também queria deixar claro que não me acho exemplo quando digo que para mim aquilo foi pesquisa e trabalho. Somos diferentes e eu vejo beleza na forma como cada um se relacionou com a vivência. Talvez realmente soe bem mais razoável numa ‘vivência’, viver. E não apenas observar. E todas as minhas hipóteses são apenas hipóteses pois assim como não gosto de mensurar sentimentos também não gosto do movimento que faz a hipótese virar verdade. Deixa eu ficar com as minhas hipóteses. Deixa eu ficar mais um pouco com vocês.

0 comentários:

 

©2011 CACO - possível produção de memória para o espaço da casa | Realizadora Miúda | Design: TNB